terça-feira, 12 de janeiro de 2016

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Logo começaram os preparativos do casamento.
Dona Candinha reformou o vestido de casamento de uma prima de Antenor. Não ia ter festa, ouvi quando disseram. Veio um pastor conversar comigo dias antes do casamento. Fez várias perguntas. Insistia na história da virgindade, e Antenor respondia por mim.
No dia do casamento lavaram e cuidaram do meu cabelo, que ainda eram longos. Ficou muito cheiroso e macio. Até então só lavava com sabão mesmo. Era o que tinha.
 Foi feita uma grande trança. Coloquei o vestido. Era bem branquinho. Simples. Cobria meus pés. No alto da minha cabeça Dona Candinha colocou um pequeno véu. Disse que tinha que era do casamento dela. Calcei um par de sapatinhos brancos trazidos pela menina Cecília. Disse que eram dela, mas que como eu tinha pés pequenos iriam servir.
 Eu me olhava e não me reconhecia. Eu me senti bem. Nunca tinha tido uma sensação como essa.
Antes de sairmos Dona Candinha disse que iria falar sobre o matrimônio. Ouvi quieta, como sempre (sim, eu sei que sempre não existe). Disse de modo calmo que casamento depende de paciência, mas também de amor, não só ao marido, mas principalmente a nós mesmas. E me olhando bem nos olhos parou. Fomos para igreja.

Era um lugar pequeno, com algumas fileiras de cadeiras e ao fundo uma espécie de altar. Lembrava a igreja em que íamos, a católica, mas bem menor. Não tinha nada daqueles enfeites dourados, ou os santos. Nem a cruz.

domingo, 6 de dezembro de 2015

3.

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O nome do rapaz era Antenor. Era caminhoneiro.
Pediu que eu entrasse no caminhão. Que íamos para casa. Eu, atônita, entrei, muda. Rodamos muito. Paramos. Comemos. E continuamos rodando. Eu sempre muda.
A um certo tempo, do nada, ele disse que estávamos passando por Minas Gerais. Não me perguntou nada. Apenas ia falando por onde estávamos. E eu só ouvindo. E assim, passaram-se alguns dias. Não me lembro quantos.
Percebi quando entramos em uma cidade muito iluminada. Diferente de tudo o que eu havia visto. Muita gente, muitos carros. Meus olhos não conseguiam parar. Era muita coisa para olhar ao mesmo tempo.
E ele disse: - São Paulo.
Dentro dessa cidade ainda andamos um tempo. Ele estacionou, parou e disse que havíamos chegado em casa. Outra vez me sumiu o ar. Pegou na minha mão e foi me puxando portão adentro.
Já lá dentro, encontramos uma senhora e uma menina na cozinha. A senhora era Dona Candinha, que sem ao menos me conhecer me dirigiu pela primeira vez na vida um sorriso terno. Não me lembro de ter visto minha mãe sorrir assim. Era uma senhora de uns sessenta e poucos anos, com os cabelos bem branquinhos, arrumados em um rabo de cavalo.
A menina era Cecília. Cinco anos mais nova do que eu. Olhava com ar de surpresa. Tinha uma pele bem clarinha, e os cabelos escuros, com cachos bem ajeitados. Usava um conjuntinho escolar.
Antenor logo disse que eu seria sua esposa. E cada vez que escutava isso eu pedia o ar. Não consegui ver a expressão nem de Dona Candinha, nem de Cecília ao ouvir essa notícia. A vergonha me impedia de levantar a cabeça, de olhar ao redor.
Demorou alguns dias até eu me acostumar com isso, com as novas pessoas. Dona Candinha sempre foi um doce de pessoa. Sempre feliz, sempre sorridente. O que fazia me lembrar de minha mãe, não sei a razão, mas fazia.
Antenor tinha uma casinha nos fundos do terreno da mãe. Eram só dois cômodos, como a casa do meu pai. Porém, tinha muito mais conforto. Paredes rebocadas. Tinha cama.
A primeira vez que eu dormi em uma cama foi na casa de Dona Candinha. Estava frio e ela me deu um cobertor. Nunca tinha visto um. Mal conseguia dormir na cama. Parecia muito dura pra mim. Na casa do meu pai, só ele tinha cama. Os filhos dormiam na rede.
Nas semanas seguintes apareceu muita gente pra me ver. Queriam saber sobre tudo: de onde era; quem era meu pai; minha mãe; até sobre virgindade ouvi perguntarem. Quem respondia era Antenor.
Eu ainda estava perturbada com toda essa novidade, com todo aquele povo.
...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

2

2

Eu nunca tive uma vida fácil. Minha mãe teve quinze filhos lá no sertão de Pernambuco. Quatro deles nem chegaram a completar dois anos. Só os mais fortes sobreviveram a desnutrição. O restante vivia passando fome. A comida era para uma vez no dia. E olhe lá.
Meu pai era um homem bruto. Trabalhava na roça. Nunca mostrou nenhum tipo de afeto. Nem por minha mãe. Nem mesmo quando ela morreu. Tratou logo de colocar outra mulher dentro de casa. Essa, até o momento em que eu fui embora teve três filhos.
A bem da verdade, eu não fui embora. Fui mandada. Dos meus cinco irmãos mais velhos que eu, somente Betinho ficou. Era o mais velho, tão rude quanto meu pai. Talvez não por vontade, mas para obter algum tipo de afeição ou aprovação de meu pai. Jorge e Adão se foram tão logo nossa mãe morreu. Nunca mais tive notícia deles. Maria e Eva trataram logo de arrumar marido e também se foram. Uma com dezessete e a outra com dezesseis.
Eu ainda fiquei por um tempo. Fazia de tudo em casa. Sentia falta de minha mãe, então imaginava como se sentiam os menores. Eu tentei fazer com que se esquecessem logo dela, mas eu mesmo demorei a esquecer. Sempre vinham lembranças de uma mulher triste. Chorando escondida. Momentos felizes, sorrisos, quase não conseguia lembrar. Ainda não consigo. E mesmo com essa figura desenhada assim nas minhas lembranças, ainda sinto algum tipo saudade dela.
Lembro claramente foi do dia que meu pai chegou em casa com umas compras da mercearia. Pediu que eu pegasse minhas coisas. Que tinha arrumado marido bom pra mim. Eu tomei um susto. Por um momento me faltou o ar, mas fiz o que ele pediu. Não tinha quase nada. Alguns trapos do dia a dia, e uma roupa da missa. E só. Em casa vivia descalça. Usava a chinela aos domingos.
Não teve despedida. Antes de virar a rua, olhei meus irmãos menores na porta. Não choravam. Só olhavam.
Meu pai me levou ao povoado. Lá encontramos um rapaz encostado em um caminhão. E só disse:
-- Está aqui.

Virou-se e nunca mais o vi.
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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

1.

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Espero que seja a última vez que eu sente nesse canto desse pátio. Daqui a pouco termina o banho de sol. Vai se aproximando a hora de ir embora. Finalmente. Já, já Maria e Elis vêm de novo ficar perguntando besteira. Cansada de ficar muda. Na verdade, queria mesmo ter nascido muda. Pelo menos não ia ter que ficar fazendo esforço para não falar com ninguém.
-- Oi, Jana! Último dia, hein! Tu não vê a hora de sair daqui...de se livrar da gente. Eu não vejo a hora de ir embora desse lugar. Saudade dos meus barrigudinhos.
-- Bom dia, Janaína! Essa semana mais calada que de costume. Acho que se fosse eu, também ficaria quieta, pra esquecer mais rápido esse lugar dos infernos.
A verdade é que eu nunca achei esse lugar ruim... se comparado com a vida que eu sempre levei antes de vir parar aqui. Ter vindo prá cá foi um divisor de águas na minha vida. Aqui eu aprendi a ler, a escrever. Aqui foi onde eu peguei num livro pela primeira vez. Que tomei gosto pela leitura, pelos estudos. Até o Ensino Médio eu completei. Só não fiz fui fazer faculdade porque o medo tomou conta. Não sei porquê. Quem sabe agora que estou de saída.
Ao contrário dessas outras que entram aqui, eu soube usar o tempo aqui a meu favor. Aprendi a me comportar, a ser uma pessoa educada, a falar de modo razoável. Antes eu era uma bruta. Parecia um bicho do mato. Isso aqui só é escola do crime pra quem realmente quer ser criminoso.
Entrar aqui não foi tão traumatizante como todas dizem aqui, afinal de contas nunca fui melhor tratada do que aqui (sim, eu sei que nunca não existe).
-- Sabe, Janaína. Apesar de não sermos chegadas, eu te admiro. Todo esse tempo que enfiada aqui e nunca ficou choramingando inocência. Nunca choramingou por nada, nem pela falta de visita.
Maria é a mais expansiva e alegre. É reincidente. Já a vi saindo daqui duas vezes...e voltando também. Tráfico de drogas, que ela diz que eram do ex-namorado, e por furto de uma farmácia. Alguns sabonetes, desodorantes. Tem cinco filhos. Volta e meia um deles aparece por aqui.
Elis é observadora, mais reservada. Está aqui há um bom tempo. Latrocínio. Inteligente, tem sorte de não ter filhos, mas a mãe e a irmã se revezam nas visitas. Dizem que namora uma das carcereiras. Dizem.
São as que mais mantenho contato aqui. Prefiro não me envolver. Já vi tanta coisa errada acontecendo por aqui. Melhor assim.

-- Sabe, meninas. Falta pouco tempo pra eu ir embora. Querem ouvir uma história? Sentem aí. É um pouco longa, mas ainda dá tempo antes de terminar o banho de sol.
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REDENÇÃO.

REDENÇÃO – introdução.

Não vim aqui exercer o papel de um dicionário e explicar o significado da palavra redenção. Redenção é mais do que uma simples definição. É algo que após a tormenta nos traz a calmaria. É a sensação que temos quando algo nos acontece e nos liberta de uma situação difícil.
É a salvação.

Um pouco sobre a origem deste blog.



Eu não vou falar aqui meu sonho sempre foi ser escritora. Seria uma mentira muito grande.

Meu sonho de criança sempre foi ser professora. Eu achava lindo quando as minhas professoras escreviam no quadro. A Dona Rute, do meu primeiro ano, deixava-me encantada.

Na verdade, com o passar do tempo, acabei me enamorando pelo jornalismo. Juntava as poucas moedas que tinha para comprar o Jornal O Estado de São Paulo. Adorava ler os editoriais. Então, nesse ponto da minha vida, na adolescência, eu sonhava sim em escrever, mas não em ser escritora...sonhava ser jornalista.

Foi um sonho. Infelizmente, na realidade, a falta de dinheiro me fez ir em outra direção. Cursei Letras, pois era o que eu podia pagar (na verdade, nem isso podia, pois, os dois primeiros anos fiquei devendo na faculdade). Ou seja, me formei professora. Meu sonho de infância. Não exerci, e nem exerço o magistério. Um tempo depois, fui ao Direito, e hoje advogada formada (advogada, sim, com registro na OAB), volto ao que minha vida sempre me guiou.

Tenho um pai que contava história para os filhos antes de dormir. Que levava livros de um real que podia comprar, vez que era a nossa única diversão. Obrigada, pai! Foi isso o que me trouxe até aqui. Mostrou que imaginação na vida da gente é tudo! Obrigada!!!

Não acho que para ser considerada a escritora a pessoa deva ter livros publicados. Penso que ela só precisa começar a escrever.



Então, eis me aqui, pretendendo ser escritora.  

                                   

                                 Escritora F.