quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

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Eu nunca tive uma vida fácil. Minha mãe teve quinze filhos lá no sertão de Pernambuco. Quatro deles nem chegaram a completar dois anos. Só os mais fortes sobreviveram a desnutrição. O restante vivia passando fome. A comida era para uma vez no dia. E olhe lá.
Meu pai era um homem bruto. Trabalhava na roça. Nunca mostrou nenhum tipo de afeto. Nem por minha mãe. Nem mesmo quando ela morreu. Tratou logo de colocar outra mulher dentro de casa. Essa, até o momento em que eu fui embora teve três filhos.
A bem da verdade, eu não fui embora. Fui mandada. Dos meus cinco irmãos mais velhos que eu, somente Betinho ficou. Era o mais velho, tão rude quanto meu pai. Talvez não por vontade, mas para obter algum tipo de afeição ou aprovação de meu pai. Jorge e Adão se foram tão logo nossa mãe morreu. Nunca mais tive notícia deles. Maria e Eva trataram logo de arrumar marido e também se foram. Uma com dezessete e a outra com dezesseis.
Eu ainda fiquei por um tempo. Fazia de tudo em casa. Sentia falta de minha mãe, então imaginava como se sentiam os menores. Eu tentei fazer com que se esquecessem logo dela, mas eu mesmo demorei a esquecer. Sempre vinham lembranças de uma mulher triste. Chorando escondida. Momentos felizes, sorrisos, quase não conseguia lembrar. Ainda não consigo. E mesmo com essa figura desenhada assim nas minhas lembranças, ainda sinto algum tipo saudade dela.
Lembro claramente foi do dia que meu pai chegou em casa com umas compras da mercearia. Pediu que eu pegasse minhas coisas. Que tinha arrumado marido bom pra mim. Eu tomei um susto. Por um momento me faltou o ar, mas fiz o que ele pediu. Não tinha quase nada. Alguns trapos do dia a dia, e uma roupa da missa. E só. Em casa vivia descalça. Usava a chinela aos domingos.
Não teve despedida. Antes de virar a rua, olhei meus irmãos menores na porta. Não choravam. Só olhavam.
Meu pai me levou ao povoado. Lá encontramos um rapaz encostado em um caminhão. E só disse:
-- Está aqui.

Virou-se e nunca mais o vi.
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