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Espero que seja a última vez que eu
sente nesse canto desse pátio. Daqui a pouco termina o banho de sol. Vai se
aproximando a hora de ir embora. Finalmente. Já, já Maria e Elis vêm de novo
ficar perguntando besteira. Cansada de ficar muda. Na verdade, queria mesmo ter
nascido muda. Pelo menos não ia ter que ficar fazendo esforço para não falar
com ninguém.
-- Oi, Jana! Último dia, hein! Tu não vê a hora de sair daqui...de se
livrar da gente. Eu não vejo a hora de ir embora desse lugar. Saudade dos meus
barrigudinhos.
-- Bom dia, Janaína! Essa semana tá mais calada que de costume. Acho que
se fosse eu, também ficaria quieta, pra
esquecer mais rápido esse lugar dos infernos.
A verdade é que eu nunca achei esse
lugar ruim... se comparado com a vida que eu sempre levei antes de vir parar
aqui. Ter vindo prá cá foi um divisor de águas na minha vida. Aqui eu aprendi a
ler, a escrever. Aqui foi onde eu peguei num livro pela primeira vez. Que tomei
gosto pela leitura, pelos estudos. Até o Ensino Médio eu completei. Só não fiz
fui fazer faculdade porque o medo tomou conta. Não sei porquê. Quem sabe agora
que estou de saída.
Ao contrário dessas outras que entram
aqui, eu soube usar o tempo aqui a meu favor. Aprendi a me comportar, a ser uma
pessoa educada, a falar de modo razoável. Antes eu era uma bruta. Parecia um
bicho do mato. Isso aqui só é escola do crime pra quem realmente quer ser
criminoso.
Entrar aqui não foi tão traumatizante
como todas dizem aqui, afinal de contas nunca fui melhor tratada do que aqui
(sim, eu sei que nunca não existe).
-- Sabe, Janaína. Apesar de não sermos
chegadas, eu te admiro. Todo esse tempo que tá
enfiada aqui e nunca ficou choramingando inocência. Nunca choramingou por nada,
nem pela falta de visita.
Maria é a mais expansiva e alegre. É
reincidente. Já a vi saindo daqui duas vezes...e voltando também. Tráfico de
drogas, que ela diz que eram do ex-namorado, e por furto de uma farmácia.
Alguns sabonetes, desodorantes. Tem cinco filhos. Volta e meia um deles aparece
por aqui.
Elis é observadora, mais reservada.
Está aqui há um bom tempo. Latrocínio. Inteligente, tem sorte de não ter
filhos, mas a mãe e a irmã se revezam nas visitas. Dizem que namora uma das
carcereiras. Dizem.
São as que mais mantenho contato aqui.
Prefiro não me envolver. Já vi tanta coisa errada acontecendo por aqui. Melhor
assim.
-- Sabe, meninas. Falta pouco tempo pra eu ir embora. Querem ouvir uma
história? Sentem aí. É um pouco longa, mas ainda dá tempo antes de terminar o
banho de sol.
...