domingo, 6 de dezembro de 2015

3.

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O nome do rapaz era Antenor. Era caminhoneiro.
Pediu que eu entrasse no caminhão. Que íamos para casa. Eu, atônita, entrei, muda. Rodamos muito. Paramos. Comemos. E continuamos rodando. Eu sempre muda.
A um certo tempo, do nada, ele disse que estávamos passando por Minas Gerais. Não me perguntou nada. Apenas ia falando por onde estávamos. E eu só ouvindo. E assim, passaram-se alguns dias. Não me lembro quantos.
Percebi quando entramos em uma cidade muito iluminada. Diferente de tudo o que eu havia visto. Muita gente, muitos carros. Meus olhos não conseguiam parar. Era muita coisa para olhar ao mesmo tempo.
E ele disse: - São Paulo.
Dentro dessa cidade ainda andamos um tempo. Ele estacionou, parou e disse que havíamos chegado em casa. Outra vez me sumiu o ar. Pegou na minha mão e foi me puxando portão adentro.
Já lá dentro, encontramos uma senhora e uma menina na cozinha. A senhora era Dona Candinha, que sem ao menos me conhecer me dirigiu pela primeira vez na vida um sorriso terno. Não me lembro de ter visto minha mãe sorrir assim. Era uma senhora de uns sessenta e poucos anos, com os cabelos bem branquinhos, arrumados em um rabo de cavalo.
A menina era Cecília. Cinco anos mais nova do que eu. Olhava com ar de surpresa. Tinha uma pele bem clarinha, e os cabelos escuros, com cachos bem ajeitados. Usava um conjuntinho escolar.
Antenor logo disse que eu seria sua esposa. E cada vez que escutava isso eu pedia o ar. Não consegui ver a expressão nem de Dona Candinha, nem de Cecília ao ouvir essa notícia. A vergonha me impedia de levantar a cabeça, de olhar ao redor.
Demorou alguns dias até eu me acostumar com isso, com as novas pessoas. Dona Candinha sempre foi um doce de pessoa. Sempre feliz, sempre sorridente. O que fazia me lembrar de minha mãe, não sei a razão, mas fazia.
Antenor tinha uma casinha nos fundos do terreno da mãe. Eram só dois cômodos, como a casa do meu pai. Porém, tinha muito mais conforto. Paredes rebocadas. Tinha cama.
A primeira vez que eu dormi em uma cama foi na casa de Dona Candinha. Estava frio e ela me deu um cobertor. Nunca tinha visto um. Mal conseguia dormir na cama. Parecia muito dura pra mim. Na casa do meu pai, só ele tinha cama. Os filhos dormiam na rede.
Nas semanas seguintes apareceu muita gente pra me ver. Queriam saber sobre tudo: de onde era; quem era meu pai; minha mãe; até sobre virgindade ouvi perguntarem. Quem respondia era Antenor.
Eu ainda estava perturbada com toda essa novidade, com todo aquele povo.
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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

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Eu nunca tive uma vida fácil. Minha mãe teve quinze filhos lá no sertão de Pernambuco. Quatro deles nem chegaram a completar dois anos. Só os mais fortes sobreviveram a desnutrição. O restante vivia passando fome. A comida era para uma vez no dia. E olhe lá.
Meu pai era um homem bruto. Trabalhava na roça. Nunca mostrou nenhum tipo de afeto. Nem por minha mãe. Nem mesmo quando ela morreu. Tratou logo de colocar outra mulher dentro de casa. Essa, até o momento em que eu fui embora teve três filhos.
A bem da verdade, eu não fui embora. Fui mandada. Dos meus cinco irmãos mais velhos que eu, somente Betinho ficou. Era o mais velho, tão rude quanto meu pai. Talvez não por vontade, mas para obter algum tipo de afeição ou aprovação de meu pai. Jorge e Adão se foram tão logo nossa mãe morreu. Nunca mais tive notícia deles. Maria e Eva trataram logo de arrumar marido e também se foram. Uma com dezessete e a outra com dezesseis.
Eu ainda fiquei por um tempo. Fazia de tudo em casa. Sentia falta de minha mãe, então imaginava como se sentiam os menores. Eu tentei fazer com que se esquecessem logo dela, mas eu mesmo demorei a esquecer. Sempre vinham lembranças de uma mulher triste. Chorando escondida. Momentos felizes, sorrisos, quase não conseguia lembrar. Ainda não consigo. E mesmo com essa figura desenhada assim nas minhas lembranças, ainda sinto algum tipo saudade dela.
Lembro claramente foi do dia que meu pai chegou em casa com umas compras da mercearia. Pediu que eu pegasse minhas coisas. Que tinha arrumado marido bom pra mim. Eu tomei um susto. Por um momento me faltou o ar, mas fiz o que ele pediu. Não tinha quase nada. Alguns trapos do dia a dia, e uma roupa da missa. E só. Em casa vivia descalça. Usava a chinela aos domingos.
Não teve despedida. Antes de virar a rua, olhei meus irmãos menores na porta. Não choravam. Só olhavam.
Meu pai me levou ao povoado. Lá encontramos um rapaz encostado em um caminhão. E só disse:
-- Está aqui.

Virou-se e nunca mais o vi.
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